Em 20 de agosto de 2007, a Polícia Federal entrou na Câmara
de Vereadores de Campo Bom numa operação que apurava o envolvimento de
empresários e vereadores em esquema de abuso e desvio de diárias de viagens. Passados
seis anos, ainda não foram apontados os culpados. Lideranças comunitárias estão se mobilizando para realizar manifestação nesta segunda-feira, às 18 horas, em frente à Câmara de Vereadores.
Abaixo, publicamos, na íntegra, matéria do jornalista MarcoAurélio Nunes, publicada no site do Ministério Público do RS, em 27 de setembro
de 2007.
“Farra” resulta em sete vereadores denunciados
Sete vereadores, três empresários do ramo de cursos para
parlamentares e três funcionários – dois de Tramandaí e um do Paraná – dois
empresários de agências de viagens e 13 assessores e servidores da Câmara
Municipal de Campo Bom, dentre eles dois assessores jurídicos. Todos foram
denunciados pelo Ministério Público pelos crimes de peculato, concussão, uso de
documento falso, falsidade ideológica, formação de quadrilha e corrupção ativa
e passiva. O promotor de Justiça Flávio Duarte, que apurou o caso, concedeu
entrevista coletiva à Imprensa onde explicou as investigações feitas.
As duas denúncias
foram oferecidas na manhã desta quinta-feira, no Fórum de Campo Bom. São consequência
da conclusão da primeira fase da denominada “Operação Farra”, desenvolvida pela
Especializada Criminal da Capital e a Força-Tarefa, sob a coordenação do
promotor de Justiça Flávio Duarte. A investigação do Ministério Público foi
instaurada com a intenção de apurar o desvio de verbas públicas na Câmara de
Vereadores de Campo Bom, especialmente com a obtenção de diárias indevidas.
FRAUDES
Em um primeiro momento, relatou o promotor Flávio Duarte,
quando as fraudes ainda não eram tão elaboradas, os vereadores inscreviam-se em
cursos que deveriam durar em média cinco dias, recebendo diárias, de forma
antecipada, para todo esse período. “Porém, frequentavam somente dois ou três
dias do curso e, em conluio com os organizadores, assinavam as listas de
presença de todos os dias do evento e recebiam o certificado de frequência integral,
o que os favorecia na prestação de contas das diárias”. Posteriormente, além
das fraudes relacionadas ao recebimento de diárias, alguns vereadores e
servidores da Câmara de Campo Bom, combinados com empresários de agências de
viagem da mesma cidade, “obtinham notas fiscais de passagens que eram pagas
pelo Legislativo Municipal, mas viajavam com veículos próprios, apoderando-se
dos valores”.
FALSIFICAÇÃO
Em alguns cursos, o Promotor de Justiça disse que foram
inscritos assessores que recebiam diárias, mas sequer viajavam. “Os próprios
vereadores falsificavam as assinaturas desses assessores nas listas de presença
dos eventos e obtinham junto aos organizadores os respectivos certificados”.
Não bastasse isso, frisou Flávio Duarte, “alguns vereadores e o diretor da
Câmara exigiam desses assessores os valores por eles recebidos a título de
diárias”.
INSTITUTOS
As fraudes, de um modo geral, funcionavam com a participação
de dois institutos: INAAM e INV, com sedes em Tramandaí. A partir de um
marketing bem elaborado, ambos distribuíam propaganda dos cursos que
patrocinavam para inúmeras Prefeituras e Câmaras Municipais do Rio Grande do
Sul, Santa Catarina e Paraná. Nos folders distribuídos, constavam informações
relativas à duração do curso (geralmente de terças-feiras à sábados), local do
evento (normalmente em hotéis), valor das inscrições (entre R$ 300 e R$ 350) e
a matéria que seria ministrada. Outro instituto, do Paraná, fazia o mesmo,
concentrando os cursos em Foz do Iguaçu.
COMISSÕES
Para garantir uma presença maior de vereadores e servidores
em seus eventos, o Promotor de Justiça destacou que o responsável pelos
institutos “pagava comissões aos participantes com o desvio de recursos
públicos”. Assim, as Câmaras Municipais, com dinheiro público, pagavam, por
exemplo, as inscrições dos vereadores e servidores, sendo que parte desse valor
era posteriormente revertido aos próprios participantes. Nessa fórmula, “todos
ganhavam às custas do erário”, sublinhou Flávio Duarte.
NOTAS FISCAIS
Além disso, de forma deliberada pelos institutos, com a
colaboração dos hotéis que sediavam os eventos e forneciam notas fiscais de
hospedagem com dados falsos, os cursos, que deveriam se estender de terça-feira
à sábado, “duravam, quando muito, de quarta à sexta-feira”, diz Flávio Duarte.
E somente no horário da manhã. Vereadores e servidores obtinham antecipadamente
o valor de diárias referentes a cinco dias, mas apenas participavam de, no
máximo, dois ou três, com a conivência do responsável pelos institutos que
fornecia certificados de participação integral aos inscritos. O Ministério
Público apurou que ocorria muitas vezes, também, de vereadores e servidores se
inscreverem em eventos e sequer viajarem, obtendo os certificados da mesma
forma e, consequentemente, as diárias pagas pelas Câmaras Municipais. Assim, de
modo indireto, os certificados eram vendidos pelos institutos.
MONITORAMENTO
No curso da operação, o promotor de Justiça Flávio Duarte e
os agentes da Força-Tarefa do Ministério Público se hospedaram nos hotéis que
realizavam eventos dos institutos e acompanharam os cursos. Por meio da
interceptação dos telefones dos vereadores de Campo Bom e do responsável pelos
institutos, foi possível monitorar que pelo menos sete dos dez vereadores,
entre eles o Presidente da Câmara Municipal, “foram beneficiados pelo esquema
criado para a obtenção de diárias”, contou.
VIAGENS
Em uma viagem para Foz do Iguaçu, por exemplo, foram
inscritos no curso um assessor e um vereador de Campo Bom. “O assessor recebeu
antecipadamente o valor das diárias e o repassou para o Presidente da Câmara,
sequer viajando para Foz”, ilustrou o Promotor de Justiça. Já o vereador, que
recebeu cinco diárias, viajou acompanhado pela mulher, permaneceu somente dois
dias, fazendo compras, e retornou.
Com os dados obtidos junto aos institutos que realizavam
tais cursos, o Ministério Público gaúcho colheu elementos que indicam que
outras Câmaras de Vereadores da Região Sul do País cometiam as mesmas fraudes.
Algumas delas já estão sendo investigadas na continuidade da “Operação Farra”.
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