Foto: Fellipe Sampaio/STF |
O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Joaquim
Barbosa criticou nesta quinta-feira (12) a tramitação do processo de
impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Para ele, as decisões sobre o
afastamento foram tomadas sem levar a em consideração a opinião da população.
“Como explicar ao mundo uma troca de comando tão
espetacular? Nada sutil, apenas com a estampa de normalidade, como essa que
está ocorrendo no dia de hoje. Como explicar ao mundo uma mudança tão brutal
sem que ele, o maior interessado, o povo, tenha sido sequer cogitado como
partícipe desse debate”, disse ao participar da Vtex Day, feira de comércio
eletrônico no Parque Ibirapuera, zona sul da capital paulista.
No início da manhã de desta quinta-feira, o Senado aprovou a
abertura de processo de destituição de Dilma e o afastamento da presidenta por
até 180 dias. O vice, Michel Temer, assume o cargo neste período. Ao final do
processo, Temer pode tomar posse definitivamente, caso os senadores confirmem o
impedimento da presidenta.
“Não é estranho que o povo assista mais uma vez, como se deu
no final do século 19, bestializado ao que os políticos estão a perpetrar no
nosso país? Onde estão as vozes da população?”, questionou Joaquim Barbosa na
palestra. A expressão faz referência ao artigo do jornalista Aristides Lobo
sobre a proclamação da República. Na ocasião, o autor ressaltou que a revolução
organizada por militares e membros da elite política que derrubou o imperador
não teve participação popular. “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito,
surpreso, sem conhecer o que significava”, diz o texto publicado em 1889.
A ascensão do PMDB, em uma provável aliança com o PSDB,
também foi alvo das críticas de Barbosa. “Estarão no comando do nosso país a
partir de agora dois grupos bem especiais de operadores políticos”, disse em
referência aos dois partidos. “O primeiro grupo, nestes 30 anos de vida
democrática, jamais conseguiu eleger um presidente da República. Esse grupo
terá agora a Presidência da República”, disse em referência ao partido de
Temer.
“O segundo grupo de operadores políticos, no prazo
constitucionalmente marcado para as próximas eleições [2018], iria completar 20
anos sem ganhar uma eleição, sem ter o gosto de uma vitória”, completou o
raciocínio ao falar sobre o PSDB. “Como justificar essa anomalia? Por que os
nossos acadêmicos, os nossos intelectuais e os nossos meios de comunicação têm
evitado esse debate específico?”
Novas Eleições
Barbosa disse que é "radicalmente favorável" à
convocação de novas eleições pra presidente. "Essa é a verdadeira solução.
A solução que eliminaria toda essa anomalia, esse mal-estar com o qual nós
seremos obrigados a conviver nos próximos dois anos e oito meses. Dar a palavra
ao povo”, defendeu.
O ministro aposentado reconheceu, entretanto, que a medida tem
empecilhos constitucionais. A única forma de ser aplicada, na visão de Barbosa,
seria se Dilma tivesse renunciado e o vice tivesse feito o mesmo.
Dilma
Apesar das críticas ao processo e aos grupos políticos que
devem assumir o poder, Barbosa também atribuiu parte da culpa pela
instabilidade política à Dilma. “A presidente Dilma Rousseff não soube conduzir
o país. Não soube exercer a liderança que se espera de um chefe de Estado dessa
envergadura. Ela agiu como se governasse para o seu grupo político e para os
seus aliados de ocasião. Ela não soube se comunicar com a nação. Ela fez
péssimas escolhas e cometeu erros imperdoáveis”, disse.
Para o ministro aposentado, a presidenta não soube como
lidar com a corrupção. “Eu não digo que a presidente compactuou abertamente com
os segmentos corruptos existentes no seu governo, partido e base de apoio. Mas
ela se omitiu, silenciou-se, foi ambígua. Não soube se distanciar do ambiente
deletério que a cercava. Não soube exercer o comando e acabou engolida por essa
gente”, analisou.
“Eu sei bem que a presidente da República que foi tirada do
cargo no dia de hoje é extremamente impopular. Eu sei que há um sentimento generalizado
pela sua saída. A minha preocupação é com os aspectos estruturais das nossas
instituições”, ponderou.
Motivação
Entre os problemas que deram origem à crise política,
Barbosa apontou a relação que costuma ser estabelecida entre o Legislativo e o Executivo.
“Nada dessa promiscuidade que faz com que o presidente da República entregue
setores inteiros da sua administração às lideranças no Congresso, para que
essas lideranças organizem a robalheira dos recursos públicos. Nada disso está
previsto na Constituição”, criticou.
Barbosa disse acreditar que a destituição de Dilma esteja
servindo a interesses espúrios. “Eles querem tomar o poder a qualquer custo
para continuar nas práticas ilícitas. É isso que está em jogo”.
“Eu tenho sérias dúvidas quanto à integridade e à adequação
desse processo de impeachment por esse motivo que foi escolhido”, acrescentou.
Para o ministro aposentado, “há um problema muito sério de proporcionalidade”,
uma vez que manobras contábeis e fiscais semelhantes às feitas pelo governo
federal são corriqueiras em outras esferas do Executivo, como nas
administrações estaduais.
Barbosa também enfatizou que o mérito do impeachment não foi
validado pelo STF, como, segundo ele, alguns tentam fazer parecer. “O que o
Supremo Tribunal tem feito é exercer o escrutínio moderado sobre o rito, o
procedimento e as formalidades do processo. O Supremo não examinou, não pode
examinar e provavelmente não examinará o mérito do impeachment”.
Joaquim Barbosa se aposentou do cargo de ministro do Supremo
em 2014. Ele foi indicado à Suprema Corte em 2003, no mandato do então
presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Nenhum comentário:
Postar um comentário